quinta-feira, 17 de abril de 2014

Um postal do Zé! ( mais um)




São pérolas, minha gente, que se vão perdendo com os tempos. Ouvi-o, a primeira vez, pelas palavras do meu avô. Achei-lhe piada. Ficou, e ainda hoje lembro, com ternura e saudade. 
Quase sempre contado em período de férias, na mesa grande da cozinha, onde eu, as manas e alguns primos, sentados, a baixa luz e pela noite dentro, ainda que fossem apenas nove da noite, atentos e ansiosos, escutávamos. O texto era excelentemente narrado, com a devida acentuação, ora numa voz pesada, ora com muita altivez, e por entre risos, gritos e olhos esbugalhados, escutávamos sempre com o mesmo entusiasmo!
Cá vai:

Grande Revolução no Porto!

Então meus senhores, ainda não leram os jornais?!
Grande revolução no Porto!
Tragédia, meus senhores! Tragédia de arrepiar os cabelos! Tiros! Pancadas! Facadas! No Porto está tudo morto!

A revolução começou no estádio do Dragão, mas o caso já veio da Ribeira.
Por causa da perda do campeonato juntou-se tal povoléu, que a cem léguas de distância já se ouvia o choro das mães! Choviam golpes mortais e os mortos empilhados já se elevam a tal altura, que um deles avista quase toda a Estremadura!

Que furor, meus senhores, na luta que se travou! Tiros por todo o lado! O rio já vai molhado! 
Os navios aos glutões vieram até à Rua Passos Manuel onde lá há feridos a granel!
E a choradeira é tão grande, que foi preciso chamar os bombeiros de Tomar por causa da inundação que já ameaçava a Circunvalação!

São tremendas as apostas, já há homens com casas às costas! Já não se sabe do Pinto da Costa!

Na rua Alexandre Herculano um homem engoliu um aeroplano! 
Outro, na rua da Flores, com um sopro desfez em frangalhos nada mais que seis vapores!
Um terceiro, enfurecido, foi ao posto da polícia que fica na Cordoaria e com um berro descomunal rebentou logo o portal! Em seguida, manda altivo por cá fora o Regimento, a à força do tabefe esmigalha-o num momento!

No largo da Aguardente, está tudo cheio de gente!
Na rua da Lomba rebentou uma bomba!
E em Fernandes Tomás mataram três velhas e um rapaz!
Em Sá da Bandeira a desordem durou a noite inteira!

A Batalha era varrida pela metralha!
E nos Caldeireiros já estão os artilheiros a preparar os canhões que por lá são aos montões!

Que grande carnificina! Tiros até mais não! O sangue corria em cachão! E aqueles cadáveres assim todos tortos, viam-se logo três mil mortos!

E o sangue a correr e a mãe a gritar - Meu filho! Meu filho! Pega na garrafa e vai buscar um quartilho...
Tiros! Pancadas! Facadas! No Porto está tudo morto!




( E agora, se me dão licença, vou acabar o arroz de polvo, tenho três quartilho de branco a refrescar e o convidado a chegar! )



2 comentários:

  1. Respostas
    1. Não todo, apenas as partes mais simples, como as frases que mencionam os lugares e que rimam. Mas tenho-o escrito depois de ditado pelo meu avô. :)))

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