segunda-feira, 10 de março de 2014





"Deixava o livro e ficava-se horas a ver o pássaro debater-se na gaiola. Nua, o sol batia-lhe de chapa sobre o corpo estendido na cadeira de repouso vermelha e azul, azul só nas pequenas flores, flores minúsculas aqui e além no tecido brilhante, macio. O livro no chão marmóreo da varanda, a capa dobrada a formar um vinco no verniz lustroso, a gaiola dourada com um suporte esguio, alto, nascendo de uma base tripartida: três pés curvos muito separados, junto à mesa onde se esquecia um copo. E ela nua na cadeira comprida, o sol de chapa no corpo liso, suado.” 
Maria Teresa Horta




10 comentários:

  1. Anónimo10.3.14

    Sempre me questionei como um camafeu como a MTH escrevia coisas tão bonitas...
    (não me batam, meninas, vá lá...)

    Bom Zé dos anzóis!

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    1. É verdade, Antunes! A mulher é feia e torta como tudo, mas escreve assim umas coisas deliciosas.

      Bom dia! :))))

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    2. Olha lá, tenho uma barcoita ali atracada no Douro, completamente vaga, para quem desejar... ao menos servirá de recreio para os mais doridos... e sei lá, roubados???!!! hehehehe

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    3. Bom dia gaiatos!!!

      Camafeu....... Antunes, só falta dizer que cheira a naftalina :-))))))

      Mas lá que tem jeito para a escrita, tem.

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    4. Anónimo10.3.14

      Provavelmente teia de aranha já terá...
      Mas que é genial nas letras, isso é um facto!

      Bom dia Joaninha!

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    5. Anónimo10.3.14

      Haveremos de falar nessa casca de nóz, um destes dias.
      (aguentou-se às marés???) :)

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    6. Claro que aguenta! Mas quando mais não seja, faço parte dos homens de ferro em botes de borracha! ;) Coina e Alfeite... 1900 e troca o passo :-)

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  2. Anónimo10.3.14

    :)))

    O Exílio

    Os olhos fecham-se-lhe molemente. De maneira difusa vê ainda a sua imagem reflectida no espelho oval pendurado na parede. Um espelho enorme com grandes flores douradas no dourado velho da moldura antiga. Sente as pálpebras moverem-se singularmente devagar e o corpo distender-se: lasso, quebrado, dobrado ao acaso sobre a cama, como se dormisse. Sentia-se como se dormisse já; a própria imagem que via reflectida no espelho era a imagem difusa de uma mulher adormecida. Passa a língua pelos lábios secos e sente-os salgados, parece-lhe ser salgado aquele sabor estranho. Ou a fruto, a vinho? A língua detém-se, espessa, mole, antes de percorrer novamente os lábios. Através da penumbra lenta do quarto, o olhar de quem ali entre será conduzido de chofre até à luz acre, abrasada, que se detém mas que se infiltra apesar de tudo por entre as lâminas metálicas das persianas.
    Depois a mulher.
    Preferível será dizer: a imagem da mulher reflectida no espelho, o corpo quebrado sobre a cama, os braços ao acaso, as pernas encobertas pela imagem reflectida do candelabro que sobre a mesa pintada estende os seus braços de bronze. Ou de ferro? Sente o peso dos cabelos repousados nos ombros. O peito suado, a pele húmida: nem toda: a pele das axilas, do pescoço, das virilhas, entre os seios, a pele da parte interna das coxas.
    O calor não a incomoda, parece antes embriagar-se surdamente: a boca entreaberta, seca. Por entre as pálpebras, no movimento mole das pálpebras quase cerradas, há, porém, o fulgor estranho dos seus olhos. Mas ela sente-se como se dormisse já: uma total e completa lassidão. A própria brandura do seu corpo dá-lhe essa certeza; no entanto distingue ainda no espelho (pendurado tão perto do chão que as grandes rosas douradas da parte inferior da moldura: antiga quase roçam o tampo da mesa baixa, onde, sobre o florão pintado, o candelabro expõe os braços encurvados, sem velas), no entanto distingue ainda no espelho a sua própria imagem. Vê-a esfumada, difusamente, sente difusamente a penumbra abrasada do quarto onde mergulha, lassa, dobrada ao acaso, aberta sobre a cama, numa oferta total e boa, como se sentisse um enorme gozo, como se a tivessem largado assim depois de a terem possuído sem a acordarem, e ela tivesse gozado todavia intensamente e agora, lassa, aberta, gozasse ainda num prazer transbordante mas dormente.
    Tenta mover as pernas, a cabeça; porém, dorme, dorme imóvel;
    É isso, dorme já, sem memória, sem futuro, sem sonhos nem pesadelos. Uma total ausência, um vácuo. Distendida, amnésica, ausente.
    Passa a língua nos lábios secos e sente-os salgados, parece-lhe ser salgado aquele sabor estranho. Ou a fruto, a vinho? A língua detém-se espessa, mole, antes de percorrer novamente os lábios. Através da penumbra lenta do quarto, o olhar de quem ali entre será conduzido de chofre até à inconsciência daquela mulher. Até ao sono sequioso daquela mulher, aberta, quebrada, o corpo ao acaso sobre a cama, a imagem fixada no espelho como uma fotografia.
    Ociosa.
    Depois, será a luz acre da tarde que se detém, que se infiltra contudo lambendo a atmosfera suada até ela, até onde ela dorme, onde se sente dormir já, fixando-se, fixando o quarto através do espelho. Um espelho enorme, oval, com grandes rosas douradas no dourado velho da moldura antiga.
    E ali adormece pouco a pouco.

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  3. Pois...e depois olhas à volta e é mais, aventais em corpos ogivais mas suados! :)))

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  4. A mulher escreve de uma forma tão intensa que é impossível não se deixar levar pelas emoções :))
    Bela imagem a acompanhar palavras maravilhosas :)
    Bom dia Zé :))

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